O evento termina nesta terça-feira (17/12). A participação brasileira foi organizada pela ApexBrasil e valorizou o protagonismo das artesãs de todas as regiões do país
A riqueza do artesanato brasileiro produzido por mulheres está em destaque na Expoartesanías 2024, uma das maiores feiras do setor na América Latina, que termina nesta terça-feira (17/12), em Bogotá, Colômbia. Nesta edição, o Brasil é o país convidado de honra, e sua participação foi organizada pela ApexBrasil no contexto do programa Mulheres e Negócios Internacionais (MNI), em parceria com o Ministério das Mulheres, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae Nacional), o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP), por meio do Programa do Artesanato Brasileiro (PAB), o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
O Pavilhão Brasil, inaugurado em 4 de dezembro, reúne mais de 240 peças criadas por mais de 100 artesãs, representando 77 iniciativas (cooperativas, associações, empresas e grupos) de 23 estados brasileiros. Com curadoria da arquiteta Roberta Borsoi, a seleção inclui trabalhos de moda, cerâmica, decoração, cestaria, instrumentos musicais e muito mais.
A Expoartesanías é uma oportunidade única de mostrarmos ao mundo o que o Brasil tem de melhor. Com artesanatos feitos exclusivamente por mulheres, pretendemos exaltar a riqueza cultural do nosso país.
Ana Repezza, diretora de Negócios da ApexBrasil e idealizadora do programa MNI
O projeto visa ampliar a presença do empreendedorismo feminino no mercado internacional e promover a autonomia social e econômica das mulheres brasileiras.
Iniciativas regionais
- PANELA_Artesã Ironildes Corrêa de Menezes_Ass. Paneleiras de Goiabeiras_ES
- CACTO_Oziana Oliveira_Vitória de Santo Antão_PE
- TAMANDUÁS_Artesã Maria do Carmo dos Santos Guimarães_Belo Jardim_PE
- COLAR VERMELHO_Artesã Márcia Lima_Criare Biojoias_Rio Branco_AC
- URNA ANTROPOMORFA MARACÁ_Artesã Ezequielly Maracá_Mazagão_AP
- CONJUNTO DE FLORES_artesã Ivanilde Reis de Nascimento_ Eterna Flora - Arte do Cerrado_Alexânia_GO_Foto divulgação ApexBrasil
- MASCARA DE BOI EM PAPEL_Artesã Maria Delma_Pirenópolis_GO_Foto divulgação ApexBrasil
- FRUTEIRA_Ivonete Oliveira_Grupo Araucária_São Francisco de Paula_RS_Foto divulgação ApexBrasil
- CONJUNTO HISTORICO_Ass. Artesãs de Campo do Fanado_Minas Novas_MG_Foto divulgação ApexBrasil
- BOLSA_Ass. de Rendeiras Independentes de Divina Pastora_SE_foto divulgação ApexBrasil
- VASO GG_Cooperativa Turiarte_Santarém_PA_foto divulgação ApexBrasil
Nordeste
Entre as iniciativas de mulheres participantes, 37 são da região Nordeste, dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe. A Associação das Rendeiras Independentes de Divina Pastora, em Sergipe, é uma delas. A associação busca valorizar a renda irlandesa, tradição secular do município sergipano e patrimônio cultural brasileiro desde 2008, produzindo peças de vestuário, acessórios, artigos para casa, entre outros. Composta por 30 mulheres, a associação foi fundada em 2022, após a pandemia, para fortalecer a produção e comercialização dos produtos.
O objetivo é dar autonomia financeira às rendeiras, muitas das quais ainda enfrentam situações de vulnerabilidade. A associação é um espaço de apoio, empoderamento e geração de renda.
Neidiele de Jesus Silva, presidente da ASDRIN
Neidiele Silva é uma das artesãs que está acompanhando a Expoartesanías presencialmente e representando o trabalho da Associação. “Essa oportunidade é muito significativa. Queremos mostrar nossa tradição ao mundo e, quem sabe, alcançar novos mercados. Estamos confiantes de que esse passo vai agregar muito valor à nossa história e aos nossos produtos”, diz, acrescentando que participar de uma feira internacional é um sonho. “Só de expor nossos produtos já vale a pena. Conseguir um investidor ou comprador é a realização de muitos dos nossos objetivos”.
Outra representante do Nordeste na Expoartesanías é a Oziana Oliveira, artesã de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata de Pernambuco, que transforma o que antes era considerado praga nas pastagens em arte. Trabalhando há quatro anos com fibras vegetais, ela inova ao utilizar o capim-luca, um material descartado na região, em suas criações. “É um capim muito conhecido nas pastagens, mas que não serve para o gado porque envelhece rápido e atrapalha a pastagem. Então, eu trouxe ele para a arte”, explica.
É muito importante o apoio que tivemos. Estou muito grata por todo o aprendizado e pelas novas culturas que estamos conhecendo aqui na Expoartesanías. Essa experiência está abrindo portas para o meu trabalho e trazendo muitas oportunidades.
Oziana Oliveira, artesã de Vitória de Santo Antão
Além de participar de feiras locais e nacionais, Oziana já ministrou oficinas sobre a técnica utilizada e ganhou prêmio. Essa é a primeira vez que a artesã expõe fora do estado e participa presencialmente de uma feira internacional.
Inspirada no Mandacaru, símbolo do Nordeste, a artesã levou para a exposição no Pavilhão Brasil sua versão da planta produzida em capim-luca.
A artesã Maria do Carmo dos Santos Guimarães, conhecida como Mestra Neguinha, também está expondo e acompanhando a feira em Bogotá. Ela é uma referência no artesanato de Belo Jardim, Pernambuco. Sua jornada começou cedo, aos oito anos, ajudando a mãe na produção de panelas tradicionais de barro vendidas em feiras locais. “A gente trabalhava muito e não via nenhum resultado. Era como se estivéssemos escondidos, sem experiência de nada”, relembrou. A grande virada veio em 2005, quando, incentivada pela artista plástica Ana Veloso, e outros apoiadores, ela passou a criar peças decorativas. “Fiquei de cabeça virada, sem saber o que pensar. Mas no outro dia, me veio a criação do tamanduá, da Nossa Senhora Aparecida, de vasos decorativos e cabeças também. Mudou completamente as nossas vidas”, comemora.
Hoje, Mestra Neguinha é reconhecida no Brasil e no exterior por suas obras, que misturam tradição e criatividade. Ao final do primeiro dia da Expoartesanías, todos as suas peças já tinham sido vendidas. Entre elas, os tamanduás, que se tornaram ícones de sua produção. “Até gente discutindo para pegar os tamanduás eu vi! Essa experiência é algo que ninguém vai me tirar”, conta.
Norte
Já na região Norte são 13 iniciativas, dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Tocantins. Um dos destaques é a Cooperativa de Turismo e Artesanato da Floresta Turiarte. Composta por 170 cooperados de 12 comunidades ribeirinhas e indígenas na região do Tapajós, em Santarém (PA), a Turiarte se destaca por promover o artesanato sustentável e o turismo de base comunitária. Somente no segmento de artesanato são 85 cooperados, a maioria mulheres (95,2%). A iniciativa gera renda para as comunidades ao valorizar técnicas tradicionais e materiais da floresta, como a fibra do tucumanzeiro e tingimentos naturais à base de folhas e frutos como jenipapo, urucum, crajiru e açafrão.
Hoje, o artesanato sustentável é a principal geração de renda dessas mulheres. Elas conseguem manter suas casas e criar seus filhos através dele.
Natália Viana, diretora da cooperativa
No catálogo da Turiarte existem peças variadas, entre assessórios, peças decorativas e de uso prático, como bolsas, biojoias, cestas, vasos, mandalas, luminárias e descansos de pratos e panelas.
Segundo Natália Viana, a participação em eventos nacionais e internacionais como a Expoartesanías é fundamental para expandir mercados e reforçar a sustentabilidade. “É um desafio enorme pela logística cara na Amazônia, mas é essencial para valorizar o artesanato, a cultura ribeirinha e acessar novos mercados”, destacou. “Além disso, a iniciativa reforça a preservação ambiental. Não desmatamos, não agredimos a floresta. Pelo contrário, cultivamos e preservamos”, ressalta.
Já a artesã Ezequielly Maracá, de Mazagão (AP), produz peças em argila e traz a cultura dos povos indígenas em destaque. Na Expoartesanías, duas de suas esculturas estão expostas e ambas já foram vendidas. Ezequielly conta que seu trabalho é também uma forma de resgatar a cultura dos povos indígenas de sua região. “Eu trabalho com peças que remetem às culturas Maracá e Cunani, dois povos que habitaram a região onde hoje está o Amapá. A Cultura Cunani é a mais antiga, data de 2 mil anos antes de Cristo. A cultura Maracá é mais recente, mas o povo maracá já não existe mais, por conta do processo de colonização”, relata. “Hoje trabalho com essas peças e sou reconhecida principalmente pelos Maracás, especialmente pela Urna Maracá. Eu tenho vários modelos, de vários tamanhos e formas de uso”, descreve, acrescentando que cada urna carrega uma história e uma simbologia própria. Ezequielly conta que essa é sua primeira experiência internacional.
É a minha primeira vez em uma feira internacional. Mas eu sonhei, eu esperava por isso, sabe? Porque, eu digo, precisa ser conhecido o nosso trabalho, precisa ser conhecida a nossa cultura, no Brasil e fora dele.
Ezequielly Maracá, artesã
Outra artesã presente na Expoartesanías foi a Márcia Lima, de Rio Branco (AC). Algumas das peças do grupo que lidera, a Criare Biojoias, estão expostas no Pavilhão Brasil da feira. Ela conta que trabalha com artesanato desde 1989. Começou como um hobby, mas logo se tornou a principal fonte de sustento da família. “Tínhamos uma panificadora e entramos em falência. Foi a partir daí que eu me aprofundei no artesanato e comecei a participar de feiras nacionais. Desde o início tivemos oportunidades de intervenção de designs com o Sebrae Nacional, o Sebrae do Acre, o PAB. Agora estamos também com a ApexBrasil, buscando inserir nosso artesanato no mercado internacional”, destaca.
A Criare Biojoias é formada por um grupo de oito mulheres. “Todas nós dependemos exclusivamente do que trabalhamos. Nós beneficiamos a semente do açaí, da jarina e do pachubão. Também trabalhamos com os nossos colares de parede, de mesa, que são peças decorativas que possuem uma boa venda”, conta Márcia Lima
A artesã se emociona por ter chegado até a Expoartesanías. “A trajetória que eu tenho desde o início, muitas vezes, me emociona. Foram muitos desafios, mas a gente conseguiu vencer todos eles. Espero que, daqui para frente, a gente consiga avançar mais. Estou levando muitas, muitas experiências na minha bagagem. Vou conversar com as minhas meninas e com outros artesãos que não fazem parte da minha associação para apresentar tudo o que eu vi aqui. Lá no Acre eu também trabalho com a organização de cadeias produtivas, com as mulheres artesãs de todo o estado. Eu dou formação para elas, então estar aqui é um retorno não só para mim, mas também para a minha equipe e todas as artesãs que estão lá no Acre”, relata emocionada.
Centro-Oeste
O Centro-Oeste marcou presença com 11 iniciativas de mulheres, dos estados de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A artesã e joalheira Maria Delma Melo, de Pirenópolis (GO) foi uma das selecionadas para expor durante a Expoartesanías. Duas de suas peças estão compondo o Pavilhão Brasil: uma máscara de boi e outra de onça, ambas confeccionadas em papel. Elas são símbolos importantes da celebração histórica da região, as Cavalhadas da Festa do Divino.
Apresentar as máscaras em um contexto internacional ressalta a riqueza cultural e a tradição histórica de Pirenópolis, colocando minha arte em evidência global.
Maria Delmo Melo, artesã e joalheira
Além das máscaras, ela se dedica à criação de joias em prata e pedras naturais, trabalho certificado por Indicação Geográfica (IG), uma distinção que valoriza a autenticidade e o vínculo com a região. Para a artesã, essa oportunidade de participar de um evento internacional “reforça a relevância da arte cultural brasileira no cenário mundial”.
Também do estado de Goiás, a artesã Ivanilde Reis de Nascimento, da Eterna Flora - Arte do Cerrado, possui exemplares de seu trabalho expostos no evento na Colômbia. “É uma expectativa sensacional essa expectativa de exportar e mandar minhas peças para fora do Brasil”, conta. A empresa da Ivanilde é de Alexânia (GO) e oferece, desde 2020, produtos de decoração de casa e eventos, como arranjos, mandalas, buquês, corsages, entre outros itens decorativos feitos de flores secas do cerrado.
Sudeste
Da região Sudeste, foram 12 inciativas femininas, dos estados de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Uma delas é a Associação de Artesãs de Campo do Fanado, composta por 22 artesãs e localizada na comunidade de Cachoeira do Fanado, zona rural de Minas Novas (MG), no Vale do Jequitinhonha. Suas peças, feitas 100% à mão com argila e finalizadas em fornos a lenha, traduzem a autenticidade do trabalho artesanal local. Pela primeira vez, a associação está participando de uma exposição internacional com três obras: uma igreja, uma boneca com bebê e um vaso com flores.
"Para mim, como representante da associação, é um orgulho imensurável! Só gratidão!", celebra Alice Costa da Silva, presidente da Associação. A iniciativa é vista como uma oportunidade transformadora para as artesãs, que esperam que a visibilidade internacional abra portas para novos mercados e oportunidades.
Para as artesãs é muito gratificante saber que estão sendo representadas numa feira internacional. É uma experiência rica e cheia de expectativa por futuras vendas.
Alice Costa da Silva, presidente da Associação de Artesãs de Campo do Fanado
Já a artesã Ironildes Corrêa de Menezes, integrante da Associação das Paneleiras de Goiabeiras, localizada em Vitória (ES), é uma guardiã da tradição das panelas de barro. Com 50 anos de experiência no ofício, ela detalha o processo artesanal, desde a extração da argila em nascentes até a queima das panelas a céu aberto, seguida pela aplicação do tanino extraído do manguezal, que dá às peças sua cor característica. “É uma tradição de mais de 500 anos que a gente mantém viva. A argila é extraída e levada para a Associação. Lá, a gente trabalha retirando paus e pedras e moldando as panelas, que seguem para a queima e acabamento”, explica Ironildes. Além das clássicas panelas para muquecas, a associação também produz panelas de feijão, potes para caldos e peças decorativas e miniaturas.
Ironildes comemora a oportunidade de mostrar seu trabalho para outros públicos. “Já participei de 32 feiras no Brasil, mas essa é minha primeira experiência fora do país, e está sendo show. Aqui é uma vitrine para o mundo,” afirma. As panelas foram vendidas rapidamente e já estão recebendo encomendas. Para a artesã, o evento é um marco: “aqui estamos recebendo informações sobre como caminhar com nossas próprias pernas no futuro. Estou muito feliz, agradeço muito essa experiência”, conclui.
O modelo de trabalho do grupo é baseado na colaboração e no compartilhamento de responsabilidades. “Somos um grupo pequeno, mas muito unido. Todas nós contribuímos de forma igual”, explica a artesã.
Sul
Entre as iniciativas de mulheres participantes, quatro são da região Sul, dos estados de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Composto por cinco artesãs, o Grupo Araucária Arte em Lã, de São Francisco de Paula (RS), é uma delas e vem resgatando há 15 anos a arte do "feito à mão", transformando a lã de ovelha em peças únicas de artesanato. O grupo está participando de sua primeira feira internacional, na Expoartesanías, com peças de decoração. “São duas peças de uma nova coleção nossa, chamada Fractais. Uma oportunidade inédita para a gente”, conta Ivonete Oliveira, uma das integrantes do grupo. Sem experiência anterior em exportação, as artesãs estão animadas com o alcance de um público mais amplo.
Nossa expectativa é realmente a visibilidade e a aceitação de um público maior, bem diferenciado do que estamos acostumadas aqui no Brasil. Participar de uma feira tão grande é um marco para o nosso trabalho.
Ivonete Oliveira, artesã
O modelo de trabalho do grupo é baseado na colaboração e no compartilhamento de responsabilidades. “Somos um grupo pequeno, mas muito unido. Todas nós contribuímos de forma igual”, explica a artesã.
Conceito do Pavilhão Brasil na Expoartesanías
Sob o conceito “Um passeio pelo Brasil e suas regiões, tipologias e expressões, guiado pelas mãos que cuidam e criam”, o Pavilhão Brasil valoriza o protagonismo das artesãs brasileiras, ressaltando como o cuidado, historicamente associado às mulheres, se reflete em sua produção artesanal e na sua relevância econômica. Dados do Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB) mostram que 76% dos artesãos cadastrados no Brasil são mulheres, que não só preservam as tradições artesanais, mas também promovem sua transmissão às novas gerações.
Confira as peças expostas no Pavilhão Brasil no catálogo Mãos que cuidam e criam.